João Lyra – Som da Terra

Entrevistador, vídeo e transcrição – Dimas Marques

Olá, amigos, no mês de março, vamos conhecer um pouco da história de uma lenda alagoana, João Lyra, que integrou o grupo pernambucano/alagoano Som da Terra, gravando um Lp. Além disso, João Lyra fez parte de diversos grupos de baile ainda em Alagoas. Após sua saída do Som da Terra, virou músico de estúdio, sendo requisitado e gravado centenas de Lp’s e compactos de artistas diversos, incluindo alagoanos. Vamos embarcar nessa história.

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DM – Onde você nasceu e cresceu?

JL – Eu nasci em São José da Lage, e cresci em São Jose também, vim pra cá pra Maceió quando tinha 16/17 anos, quando fui fazer o científico. Estudei no colégio Guido, toquei um bocado de tempo no conjunto Os Caetés, toquei no Black Cat, no Grupo Seis, dei umas canjas no LSD, com Djavan… Mas eu cresci aqui em Alagoas.

DM – E como se deu o primeiro contato com a música?

JL – O primeiro contato foi com minha mãe, que tocava cavaquinho, meus irmãos tocavam violão, minhas irmãs tocavam acordeom, e o contato com a música foi em casa.

DM – E o primeiro contato com o vinil?

JL – O primeiro contato foi com os Beatles, na cidade tocava muita seresta também, toda tarde tinha os alto-falantes em São José da Lage, e tocava música de todo tipo, de choro, valsa… E isso foi minha formação. Depois, com 16/17 anos, saía de São José da Lage pra Garanhuns, eu e um amigo meu, e na porta da loja ouvia Beatles, tinha um violão pra pegar as músicas, a gente não tinha passa-discos, não tinha acesso a essas coisas, então tinha que rodar mundo afora pra poder ter informação.

DM – E como você decidiu aprender a tocar instrumentos?

JL – Decidi por causa da minha mãe e meus irmãos. Meu irmão mais velho tocava sete cordas, minha mãe tocava cavaquinho, e eu ficava enchendo o saco dela, ela varrendo a casa e eu atrás com o cavaquinho, pedindo pra ela me ensinar, e o primeiro contato foi com ela mesmo.

DM – E você, depois que aprendeu, já começou a integrar conjuntos?

JL – Não, quando eu aprendi, lá em São José da Lage, a tocar guitarra, eu fiz um conjunto com meu irmão, Dydha Lyra, e o Ladauvane, que é um amigo de lá, que era baterista. A gente fez um trio, que se chamava Jones Bossa, engraçado pra caramba… A gente tocava baile por lá, era uma pauleira da porra, a gente segurava a peteca toca dos bailes só com uma guitarra, voz e bateria. A gente tocou muito naquela região, Murici, União, Ibateguara… Aquela parada toda a gente tocava.

DM – Havia alguma cena musical em São José da Lage, havia mais conjunto, gente compondo, ou era só baile?

JL – Era só baile, mas tinha uma pessoa muito ligada a arte, Maria do Rosário, que gostava de fazer teatro, e gostava muito de música, as peças dela tinha muita música, e me chamava pra cantar com meu irmão, Dydha. A gente teve esse contato também, graças a ela, que era uma grande divulgadora da arte, da música, do teatro, poesia…

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DM – Depois você mudou pra Maceió…

JL – Fui pra Maceió fazer o científico, quando a gente terminava o ginásio, tinha que fazer o científico, e só tinha fora, aí fui estudar no Guido, por conta de um amigo meu, Hilário, que era músico também, e foi que me arrastou pra o colégio, porque eu tocava guitarra, aí ele disse que eu ia tocar na banda do colégio, e como era um colégio pago, quem tocava na banda, não pagava. Então eu fiz os dois primeiros anos lá, depois me mudei pra o colégio estadual, fiz o terceiro ano lá.

DM – Você notou alguma diferença quando começou a integrar conjuntos em Maceió, em relação a São José da Lage?

JL – Muito mais adiantada as coisas, cidade é cidade, interior é interior, não tem pra onde correr. Tive mais contato com o pessoal, conheci a galera do Grupo Seis, e toquei muitos anos lá, pessoal do Sambrasa, LSD… Já tinha esses conjuntos formados, e era muito bom na época, tinha surgido a Jovem Guarda, foi muito legal.

DM – Todos esses conjuntos que você integrou em Maceió foram todos de baile, ou teve algum autoral?

JL – A maioria foi baile, mas teve um grupo que eu toquei, o Valdemir, Zailton também tocou, tinha um cardiologista também, agora deu um branco, já já eu lembro.

DM – Isso foi em que ano?

JL – Foi logo quando eu vim pra cá, década de 70, era um grupo que a gente fazia música nordestina, na linha do Quinteto [Violado]. Tinha o Josimar, compositor, que também era desse grupo, e era muito bacana, a gente fazia música nossa.

DM – No caso esse foi o seu primeiro contato com compositores?

JL – Foi, mas eu comecei a fazer música também, mas foi um contato muito importante na minha vida, me abriu os caminhos pra compor, pra fazer um monte de coisa.

DM – Como se deu sua mudança pra Recife?

JL – Eu fui fazer arquitetura, vestibular de arquitetura, e eu optei como segunda opção música. Aí não passei em arquitetura, e fiquei em música. Ai comecei a estudar música lá no Recife, na Universidade, mas depois, quando estava no segundo ano, como eu tive uma média boa, me chamaram pra entrar na turma de arquitetura, aí comecei a fazer, mas depois deixei também, nem fiz uma coisa, nem outra, mas tive bons contatos… Sim, o nome do grupo era Gapema, já ouviu falar?

DM – Não, nos anos 70, o único grupo que soube que fazia música própria era o Watt, que tinha o Carlos Moura, Herman Torres… Em Recife, você teve contato com músico ou banda antes de formar o Som da Terra?

JL – Tive sim, comecei a tocar numa orquestra, em orquestra de bloco, de frevo, toquei em conjunto de baile também, Fernando Borges, dava muita canja também com os amigos que tocavam em grupo. Recife era muito legal, conheci o movimento armorial, muito bom, que era influência da minha música, da música do Nordeste, de São José da Lage, dos violeiros, dos cantadores, vaqueiros…

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DM – E como se deu a formação do Som da Terra?

JL – Eu conheci o Nenê, o batera, depois o Egildo, que era amigo meu, daqui também, um grande músico e compositor, morreu há pouco tempo, lá de Piranhas, ele me chamou pra ir pra lá, que estava faltando um violonista. Aí conheci Nenê, Paulinho, que era ex-membro da Banda de Pau e Corda, e a gente fez o Som da Terra…

DM – E logo em seguida vocês já gravaram o primeiro Lp?

JL – Foi, o primeiro Lp a gente gravou depois de, acho que dois anos, a gente tocava num bar chamado Veneza, na Avenida Norte.

DM – Esse Lp é de 75, como se deu a gravação dele?

JL – A gente passou dois dias pra chegar no Rio, de ônibus. Gravamos no estúdio Hawai.

DM – Ele teve algum financiamento, ou foi produção independente?

JL – Foi por gravadora mesmo, pode olhar que é uma gravadora.

DM – Sim, Padrão Distribuição de Fonogramas. Agora, o Som da Terra era um grupo híbrido, com alagoanos e pernambucanos. Quantos eram os alagoanos, fora você e o Egildo?

JL – Só tinha eu e o Egildo, o resto era tudo pernambucano, Nenê, Zé Carlo e o Paulinho.

DM – Dentre os compositores que vocês gravaram, há alguns alagoanos, como Juvenal Lopes, Guido Uchoa… Como se deu o contato com eles?

JL – O Guido foi através do Gapema, ele já fazia música pra banda, e eu peguei uma música dele pra esse disco, “Queimada”. Já o Juvenal Lopes foi aqui também, nessa época, grande figura, grande compositor.

DM – O Egildo também integrava o Quinteto Armorial, com quem gravou dois discos. Havia algum choque de agenda, ou algo que atrapalhasse as duas bandas?

JL – Nada, porque o Quinteto tocava muito pouco, e a gente tocava só em final de semana no bar, acho que era quarta, sábado e domingo, já não me lembro mais, que a gente tocava no Veneza. Mas quando ele tinha que viajar, a gente botava outro flautista, que tocava com a gente também.

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DM – Vocês faziam muitos shows?

JL – Não, mas éramos um grupo conhecido, tinha um vocal bonito, uma música bonita também.

DM – Mas chegaram a tocar em Alagoas?

JL – Tocamos no Teatro Deodoro umas duas vezes.

DM – E como se deu a sua saída da banda, pois eles gravaram outros discos, mas já sem sua participação.

JL – Quando Egildo saiu, eu resolvi sair também, eu já estava em outras águas, já estava viajando com o Sivuca, aí resolvi sair, mas o grupo continua até hoje, agora o só o Zé Carlos e o Caíto, que entrou depois de muito tempo.

DM – Depois você virou um músico de estúdio bastante requisitado, gravando diversos artistas…

JL – Depois, em Recife, eu gravei muito lá, gravava tanto que tinha um calo na orelha, do headphone. Quando eu saí de Recife já estava com mais de 1000 discos gravados.

DM – Você tinha contrato exclusivo com algum estúdio?

JL – Não, qualquer um que chamasse. Eu gravei brega, chique, o que você imaginar, crente… Eu tenho muita fuleragem nessas gravações, umas coisas que eu não gostava muito. Nessas gravações de crente sempre chegava uma pessoa que vendia tudo e dava o dinheiro pra o cara fazer o disco, e o cara metia a mão, sabe, era uma coisa meio… Aí depois eu comecei a brincar nas gravações de crente, umas mulheres que iam lá na gravação toda vez ficavam: “salve essa alma pra minha igreja, Jesus”, aí eu dizia: “bora, satanás”, e começava a brincar, aí eu fiquei conhecido por causa dessas sacanagens que fazia nessas gravações de crente. Eu vi muita coisa errada, mas faz parte.

DM – E você era muito requisitado pra gravar em Alagoas também?

JL – Alagoas naquela época não tinha quase nada, tinha nem estúdio, eu acho, eles saíam daqui pra gravar no Recife, eu não me lembro de ter gravado em algum estúdio em Maceió.

DM – Nem no Gogó da Ema?

JL – O Gogó da Ema deve ser recente.

DM – Começo dos anos 90.

JL – Não estava mais lá.

DM – Dentre os inúmeros artistas que você gravou, um dos mais famosos foi o Grupo Terra, onde participou de quatro músicas no primeiro Lp deles. Você tem alguma lembrança da gravação desse disco?

JL – Rapaz, tenho não, isso tem muito tempo. Eu me lembro que gravei com eles… Tenho até direção artística aqui, foi gravado no estúdio Clave, no Recife.

DM – Você chegou a integrar algum outro conjunto depois do Som da Terra, nos anos 80?

JL – Eu tocava em grupo de baile, toquei com o Toni, que era amigo daqui de Maceió. Toquei muitos anos em grupo de baile, depois fizemos a Orquestra de Corda Dedilhada, que era outra coisa bonita.

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DM – E você a lançar alguma coisa sua em vinil?

JL – Não, essa coisa do disco solo é complicado, queria fazer sempre instrumental, cantando não, as pessoas até dão uma força pra eu cantar, mas nunca me imaginei cantor.

DM – E como se deu a sua saída do Brasil pra o Japão?

JL – Depois que eu fiz um disco instrumental aqui, e conheci a minha mulher, eu fiz a produção de um disco dela, e ela morava no Japão, aí eu comecei a ir pra lá, e a fazer show também, aí fiquei nessa, seis meses lá, quatro meses aqui…

DM – Depois você passou a morar de vez?

JL – Não estou morando de vez, eu moro lá e cá.

DM – Você desenvolveu uma carreira lá?

JL – Sim, eu tenho uma carreira instrumental lá, tenho um público legal, pra você ter ideia, quando eu fiz o disco, eu vendi cento e cinquenta e poucos Cd’s aqui no Brasil, e no Japão vendi 1500. Eu tenho um público que vai nos meus shows, tenho uma galera muito boa de choro.

DM – Tem muito japonês que toca choro?

JL – Tem muitos, e que falam português também.

DM – Mas há contato com músicos brasileiros lá?

JL – Tem, muito contato.

DM – Quantos discos solo você lançou?

JL – Solo só tenho um, gravei em casa, trouxe uns amigos… Estou com um projeto de fazer outro disco só de músicas nordestinas, minhas composições.

DM – Há algum plano de voltar a morar no Brasil?

JL – Eu quero morar aqui, mas do jeito que está essa esculhambação, essa podridão, dá vergonha, dá vergonha até de falar que é brasileiro.

DM – E pra o desenvolvimento da sua carreira, é mais interessante ficar no Japão, há um respaldo maior, condições de gravação mais fáceis.

JL – E não tenho que estar ouvindo Pablo Vittar e Anitta, estou lá fazendo choro. Não dá pra ficar com essa música de consumo, uma verdadeira sacanagem, mas cada país tem a música que merece. Estamos merecendo esse Pablo Vittar e Anitta, está dentro dos padrões.

DM – Queria agradecer, João.

JL – Obrigado a você.

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Sobre Clube do Vinil de Alagoas

Amigos com uma paixão em comum: música. De preferência analógica.
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